Quando o Amor Machuca: A Verdade Por Trás da Dificuldade em Enxergar o Abuso (Filme Assim que acaba)
No contexto do filme, conseguimos ver claramente a construção de uma relação abusiva, que inicialmente começa de forma saudável e bonita. Ryle, um rapaz bem-sucedido e médico, tem um excelente emprego, mas também carrega traumas que nunca trabalhou, o que afeta sua capacidade de lidar com conflitos de forma saudável.
Por outro lado, temos Lily, uma florista com o sonho de abrir o próprio negócio, com um coração enorme, mas que também carrega traumas do passado, pois cresceu vendo seu pai abusar da mãe. Para Lily, o amor sempre foi algo desafiador, muitas vezes doloroso, mas ela tinha certeza de uma coisa: não queria viver o mesmo tipo de relação que seus pais tiveram.
Quando Ryle e Lily se conhecem, a atração é instantânea. Meses depois, eles começam a se relacionar. Ele apoia Lily na inauguração de sua loja, demonstrando ser um parceiro presente. No entanto, no primeiro conflito entre eles, quando Ryle se sente “atacado”, ele reage empurrando Lily, fazendo parecer que foi um acidente. Nesse momento, o alarme interno de Lily soa, mas ela se convence de que foi sem querer.
Mais tarde, ao reencontrar um amor do passado, Ryle, tomado pelo ciúme e raiva, a ataca novamente, desta vez com palavras e agressões físicas. Esses episódios, embora esporádicos, confundem Lily, que continua justificando o comportamento de Ryle. Quando ela finalmente percebe que está em uma relação abusiva, se vê presa no mesmo padrão que sua mãe viveu. A dor de reconhecer que, mesmo sabendo que aquilo não é certo, o amor ainda está presente é devastadora.
Ao longo do filme, nos é mostrados que é possível, sim, mudar nossa perspectiva sobre o que é amor e sobre o que estamos dispostos a aceitar em um relacionamento. Quando nos observamos com mais clareza, como se estivéssemos de fora, podemos perceber nossa realidade e buscar forças no apoio de amigos, na fé ou na terapia para sair dessa situação.
Muitas vezes, o relacionamento começa de forma muito positiva, com carinho e afeto. No entanto, com o tempo, essa dinâmica pode mudar. A vítima, assim como os outros ao seu redor, tem dificuldade em acreditar que a pessoa que antes parecia tão amorosa agora se comporta de forma abusiva. Isso faz com que a própria vítima se questione, dificultando ainda mais o reconhecimento de que o parceiro não é mais o mesmo e que o relacionamento se tornou tóxico.
Em casos de relacionamentos abusivos, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) é amplamente utilizada para ajudar a pessoa a reconhecer e mudar pensamentos distorcidos, como a negação ou a minimização do abuso. Esse conflito interno entre o que a pessoa acredita (que o parceiro ainda é bom ou que o relacionamento pode melhorar) e o que ela está vivendo é chamado de dissonância cognitiva. A vítima se sente desconfortável com essa contradição e tenta justificar ou minimizar o comportamento abusivo para aliviar o desconforto.
Quando alguém sofre agressão, seja psicológica ou física, pode ser difícil aceitar que o relacionamento mudou para algo abusivo. A dissonância cognitiva dificulta a aceitação dessa nova realidade, pois a pessoa tenta manter suas crenças antigas, mesmo quando os fatos mostram o contrário.
Em muitos casos, também existe a dependência emocional, quando a pessoa sente que não consegue viver sem o parceiro, e a negação, um mecanismo de defesa que faz com que ela evite ou não aceite a realidade dolorosa que está enfrentando.
Há várias formas de a pessoa ser influenciada a permanecer em um relacionamento abusivo. Para que ela perceba a realidade, é crucial que pare de justificar o comportamento do parceiro. Na terapia, trabalhamos para entender o que essa pessoa acredita ser amor, se ela reconhece que está em um problema, e ajudamos a ver a situação de forma mais clara, para lidar com isso de maneira saudável.
É importante lembrar que a culpa nunca deve ser colocada na vítima, pois muitos, observando de fora, acabam culpando quem sofre o abuso, em vez de acolhê-la. Isso torna ainda mais importante que o tema seja abordado com mais frequência e empatia.
Os traumas podem nos levar a repetir padrões, mas esses padrões podem, e devem, ser quebrados.
Beck, J. S. (2011). Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática. Porto Alegre: Artmed.
Festinger, L. (1957). A Theory of Cognitive Dissonance. Stanford: Stanford University Press.
Herman, J. L. (1997). Trauma and Recovery: The Aftermath of Violence—From Domestic Abuse to Political Terror. New York: Basic Books.
Walker, L. E. (1979). The Battered Woman. New York: Harper & Row.
Bowlby, J. (1988). A Secure Base: Parent-Child Attachment and Healthy Human Development. New York: Basic Books.
Hoover, C. (2018). Assim Que Acaba. São Paulo: Editora Galera.
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